Por Camilo Coelho
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"Ele veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas a todos que o receberam deu o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que crêem no seu nome"- João 1.11-12
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Já estamos na época de Natal. Já se "respira" o ambiente de Natal, nas lojas enfeitadas, nas músicas da rádio e nos programas da TV.
Noite de paz... Noite de amor... É o hino que todos conhecem. Parece que nos envolve um ambiente de calma, de paz, de fraternidade e de tolerância que pensamos ser ainda um reflexo desse primeiro Natal, vivido em ambiente de paz que a humanidade perdeu para sempre.
Mas será mesmo assim? Será que alguma vez houve essa paz do primeiro Natal, ou será fruto da nossa imaginação? Ou talvez, fruto dos nossos desejos? Será o Natal somente uma bonita história para crianças, para contarmos aos nossos filhos e aos nossos netos? O que se terá passado nesse primeiro Natal? Foram essas as perguntas que me levaram a dar este título um tanto estranho a este artigo, em parte, fruto da minha imaginação, embora tentando basear-me tanto quanto possível, ou pelo menos não contrariar a informação bíblica disponível.
As crianças, duma maneira geral, já sabem que Jesus nasceu. Agora é aos pais que temos de dizer que Deus se fez homem para nos mostrar o nosso pecado, para nos dar a Vida Eterna e para nos mostrar pela primeira vez, como Deus é na realidade.
Estamos numa pequena aldeia da Palestina chamada Belém, no ano 750 da era da fundação de Roma, que para outros é o ano 3757 do calendário israelita ou o ano 4710 do calendário Juliano.
Quanto à era cristã?! Nunca ouvimos falar nisso.
As estradas estão cheias de viajantes, com engarrafamentos constantes. Mesmo os carros mais potentes e rápidos dos cidadãos romanos, puxados por várias parelhas de cavalos, ficam por vezes envolvidos no trânsito, tendo pela frente um pesado carro de bois para transporte de mercadorias ou uma caravana de camelos de longo curso. Para que serviu a construção das modernas vias romanas se toda esta gente decide viajar?
No entanto, nem todos estão aborrecidos com todo este movimento. A desgraça para uns é a sorte para outros. Vamos ver o que se passa na estalagem desse anafado judeu que temos à nossa frente.
A sorte nunca lhe foi tão favorável. O Imperador Augusto ordenou o recenseamento de toda a população do Império Romano e todos vão inscrever-se, cada um na sua cidade.
A estalagem nunca foi tão bem freqüentada. Até pode selecionar os seus hóspedes... Nesta altura tem uma seleta clientela de importantes sacerdotes de Jerusalém e altos funcionários romanos que vieram para fiscalizar o recenseamento.
- Mais um viajante que necessita de alojamento, é o recado que lhe dão os servos da estalagem.
- Mas, isto já está completamente cheio... Será alguém de interesse?
O dono da estalagem vai ver os viajantes.
Ele observa-os com o olhar de entendido profissional. Mas que maravilha... A sorte continua a ajudá-lo.
É um jovem casal. Ele diz ser carpinteiro na Nazaré. Mas que tipo de carpinteiro? Num local e numa época em que a madeira era rara e cara, carpinteiro era profissão bem remunerada. Poderia ser carpinteiro de construção civil ou até construtor de barcos... Portanto, operário especializado da classe média, alto e forte como todos os carpinteiros. A sua mulher em adiantado estado de gravidez, tinha sobrevivido a uma perigosa viagem de 150 quilômetros por caminhos estreitos, pedregosos, poeirentos, sob o calor tórrido do dia e o frio cortante da noite.
Apesar da situação em que se encontravam, José e Maria deram cumprimento à determinação de César, empreendendo a longa viagem de que nem todos regressavam. Tinham escapado aos perigos e aos assaltantes pelos caminhos e estavam no limite das suas forças.
O estalajadeiro observa-os com ar de profissional entendido. Mas que sorte... Tinha aí o homem ideal para ser roubado, espoliado, vigarizado... Pois não estava em condições de reagir. Sua mulher estava no limite das suas forças e prestes a dar à luz. Ele daria tudo que lhe pedissem só por um lugar para sua esposa. Devia trazer dinheiro para a viajem... E o meio de transporte, possivelmente algum burrico também tinha o seu valor... Temos de ver quanto isso nos poderá render.
Mas onde poderão eles ficar? Na entrada ou nos corredores... Nem pensar nisso, pois tiraria a dignidade duma estalagem tão bem freqüentada. E se o bebê nascer durante a noite, o seu choro poderá incomodar hóspedes tão ilustres, como os sacerdotes e os altos funcionários romanos.
No caso dos sacerdotes o problema é ainda mais grave, pois o nosso estalajadeiro, homem muito religioso, sabe perfeitamente que de acordo com o livro de Levítico, capítulo 12, a mulher depois de dar à luz, ficará imunda durante uma semana se nascer um rapaz e durante duas semanas se nascer uma menina. Não podem, portanto, pessoas imundas, estar perto dos sacerdotes, pessoas tão santas e puras, que estão em oração e meditação.
Mas, o estalajadeiro tem uma idéia. Vão para o curral dos animais...
Nunca saberemos quanto José pagou por esse "alojamento". Mas foi num curral de animais, dum país pobre do Oriente, num verdadeiro curral, local escuro e sujo, com excrementos espalhados pelo chão, com moscas e cheiro nauseabundo, que Jesus veio ao mundo. Em vez do berço preparado com tanto carinho por José, berço que ficara na sua casa na Nazaré, verdadeira obra prima dum carpinteiro, Ele foi deitado na manjedoura dos animais.
Já dois milênios se passaram. Será que tudo mudou?
Nesta época, todos os anos, temos o mesmo movimento nas estradas, os mesmos engarrafamentos, os mesmos perigos. A TV nos informará depois da época passar, quantos acidentes e quantos mortos houve nas nossas estradas.
O estalajadeiro ainda aí continua, mas está modificado, emprega meios mais sofisticados, utiliza a propaganda comercial nos jornais, na rádio e na TV, mas o problema de fundo continua o mesmo.
Afinal... Ainda bem que esse bebê nasceu. O significado?! Isso é secundário. Vejamos quanto esse nascimento nos poderá render para o nosso negócio. Não é isso que fazem também as igrejas?!
No meio de toda a confusão do Natal, no meio do barulho, das luzes, das músicas, da propaganda comercial, quem sente o verdadeiro significado do seu nascimento? O nascimento do Filho de Deus que veio para salvar o homem pecador, que veio para ensinar um novo conceito de espiritualidade e santidade, que veio para se identificar com o homem desprotegido? Quem comemora o seu nascimento? Onde encontrar quem se identifique com o verdadeiro curral, sujo e imundo onde Jesus nasceu? Quem sabe o que é o verdadeiro Natal?
Será o Natal das grandes superfícies comerciais, o Natal do estalajadeiro? Um Natal ocidentalizado, comercializado, onde a figura central passou a ser o velho de barbas brancas, "made in USA", que mais convém aos interesses comerciais do estalajadeiro?
Será o Natal das igrejas, onde esta data, comemorada todos os anos, já perdeu o seu impacto? Onde, os bonitos presépios com reis e pastores ajoelhados tentam encobrir a dura realidade do nascimento de Jesus? Onde, como cristãos, nos sentimos como meninos mimados que se envergonham das suas origens?
Haverá quem sinta... Quem saiba o que é nascer sem condições, esquecido e desprezado?
Esse Natal... Talvez só nas casas daqueles com quem Jesus se veio identificar. Talvez só os pobres, os desempregados, os espoliados, os desprezados, os que nessa data não podem ter uma refeição mais abundante. Talvez, precisamente esses que dizem que não têm o seu Natal, estarão em condições de compreender o que foi o Natal de Jesus, o verdadeiro Natal.
Fonte: Estudos Bíblicos Sem Fronteiras Teológicas
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Recebida por e-mail. Camilo Silva Coelho é um irmão em Cristo de Marinha Grande, Portugal