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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Teologia é poesia?

Por C. S. Lewis

Por Teologia, queremos significar, suponho, a série de afirmações sistemáticas acerca de Deus e da relação do homem com Ele, relação essa mantida pelos fiéis de uma religião.

(...)

Eu talvez possa presumir que Teologia significa principalmente Teologia cristã. Sou mais audacioso para fazer essa suposição porque algo do que penso acerca de outras religiões aparecerá naquilo que tenho a dizer. Devemos também lembrar que apenas uma pequena minoria das religiões do mundo tem uma teologia. Não se encontra nenhuma série de afirmações sistemáticas em que os gregos consensualmente cressem acerca de Zeus.

O outro termo, Poesia, é muito mais difícil de definir... Teologia é meramente poesia? (...) A primeira dificuldade para responder a essa pergunta nessa forma é que não temos consenso geral quanto ao que significa "verdade poética", nem se de fato existe algo desse tipo. Seria melhor, portanto, usar para este trabalho uma noção muito vaga e modesta de poesia: simplesmente como a escrita que desperta e satisfaz em parte a imaginação.

Deparado com essa questão, volto-me naturalmente para examinar o crente que eu conheço melhor - eu próprio. E o primeiro fato que descubro, ou acho que descubro, é que para mim, de qualquer forma, se a Teologia é Poesia, não é poesia muito boa.

Considerada poesia, a doutrina da Trindade parece-me oscilar entre duas posições. Não tem nem a grandeza monolítica das concepções estritamente unitarianas nem a riqueza do Politeísmo. A onipotência de Deus não é, a meu ver, uma vantagem poética. Odin, lutando contra os inimigos que não são criaturas suas e que, na verdade, no final vão derrotá-lo, tem um atrativo heróico que o Deus dos cristãos não pode ter. Há também certa pobreza na descrição cristã do universo. Considera-se que existe um estado futuro e ordens de criaturas sobre-humanas, mas os indícios que se oferecem da natureza deles são os mais tênues possíveis. (...) O cristianismo não oferece a atração do otimismo e nem do pessimismo. Ele representa a vida do universo como muito semelhante á vida mortal dos homens deste planeta - "um conto que mistura o bem e o mal".

(...)

Não podemos rejeitar a Teologia simplesmente porque ela não evita ser poética. Todas as visões de mundo produzem poesia para aqueles que nelas creem pelo mero fato de ser nelas. E praticamente todas têm alguns méritos poéticos, quer se creia quer não se creia nelas. É isso que deveríamos esperar. O homem é um animal poético e não toca em nada que não tenha adorno.

(...)

Eu apenas falei de símbolo e isso me leva ao último tópico em que vou considerar a acusação da "mera poesia". A Teologia certamente compartilha com a Poesia o emprego de linguagem metafórica e simbólica. A primeira Pessoa  da Trindade não é o Pai da segunda no sentido físico. A segunda Pessoa não "desceu" à terra no mesmo sentido em que um paraquedista desce, nem subiu novamente aos céus como um balão... Em que os primeiros cristãos acreditavam? Acreditavam que Deus realmente tem um palácio material no firmamento e que Ele recebeu Seu Filho numa poltrona decorada posta a pouca distância à direita da Sua? - ou não criam nisso? A resposta é que a alternativa que estamos propondo provavelmente jamais se tenha feito presente na mente deles. (...) 

Deus não tem corpo e, portanto, não pode assentar-se em cadeira alguma...

(...)

Somos tentados a declarar que nossa crença numa forma isenta de metáforas e de símbolos. O motivo porque não fazemos isso é que não podemos.  Podemos, se preferirem, dizer "Deus entrou na história" em vez de dizer "Deus desceu à terra". No entanto, naturalmente, "entrou" é tão metafórico quanto "desceu". (...) Podemos tornar nossa linguagem mais insossa, mas não podemos torná-la menos metafórica. Podemos tornar as imagens mais prosaicas, mas não podemos ser menos pictóricos. 

E.A.G.

Texto extraído, resumidamente,  do livro O peso da Glória, de autoria de C. S. Lewis, páginas 113 a 133, edição 2008, São Paulo (Editora Vida. ­Web site: http://www.editoravida.com.br/p/105-o-peso-da-gloria/ ).