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quarta-feira, 13 de julho de 2022

As outras ovelhas

 

"Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco. Preciso trazer também estas. Elas ouvirão a minha voz e, então, haverá um só rebanho e um só pastor" - João 10.16 [Nova Almeida Atualizada - NAA].

Certa vez, Henrique Heath, descansava em uma rede, numa aldeia dos índios Guajajaras. Era por volta de meio-dia e de repente ouviu gritos de um menino, que parecia estar sendo castigado. Ele continuou em seu descanso, pensando ser aquela situação um pai corrigindo seu filho. Mas como os gritos continuassem e aumentassem cada vez mais, resolveu verificar o caso. Assim, dirigiu-se à barraca de onde procediam os gritos e, ali, presenciou uma cena que o indignou. Viu um índio, de idade avançada, afiando os dentes de um garoto, com uma navalha enferrujada e um pedaço de ferro enferrujado, que era utilizado como martelo.

Cada pancada do ferro na navalha, causava aqueles gritos angustiosos, que bem mostravam quanto estava a sofrer a infeliz criança. O velho, segurando-o entre os seus joelhos, não o deixava escapar.

Ao redor, havia outros índios, que não manifestavam a menor empatia a favor da vítima, da qual, ainda, zombavam. A chegada do missionário ali causou bastante surpresa e, ainda mais, quando ele interrompeu a operação, tirando os ferros do velho e mandando o menino para a sua barraca. Os índios compreenderam mal o motivo da interrupção; como, porém, o estimassem muito, esconderam qualquer raiva por realizar aquela intervenção, dizendo apenas uns aos outros que "karaiú" não se simpatizava com os seus costumes. Sem dúvida, a operação foi terminada num lugar oculto, onde não havia perigo de ser paralisada. 

Este quadro, dentre muitos, mostra a escuridão espiritual que ainda vivem muitos indígenas. Após o incidente, o missionário retornou para sua barraca sentindo-se impotente, derramou seu coração perante o Senhor, reconhecendo que somente Ele pode quebrar os grilhões que aprisionam almas infelizes e transformá-las em novas criaturas.

A vivência de missionários entre os índios, testemunhando coisas como este relato, diariamente, causa muita tristeza. Todavia, o Evangelho de Jesus Cristo é o poder de Deus, para a salvação de todo aquele que crê. E a alegria de ver este mesmo Evangelho operando entre os índios, sobrepuja a tristeza. O Senhor faz a sua obra, abre, salva aqueles que estão enganados em Pindaré, Maranhão, e em muitas outras regiões do Brasil.

Num domingo, início de ano, o missionário estava com a esposa e alguns visitantes em uma aldeia, quando soube que um rapaz havia sido picado por uma cobra jararaca. Então, foi à mata ao encontro do jovem índio, que aparentava estar em estado muito grave, devido o potente veneno do réptil. A perna inchava rapidamente e ele quase não suportava a dor. Levou-o para casa, onde recorreu ao remédio que conhecia, ao mesmo tempo que via pouca esperança de salvá-lo. No outro dia, parecia que o rapaz morreria; os índios foram avisados e foi pedido que uns crentes orassem, para que a vontade de Deus fosse feita. Quatro índios fizeram a oração, de uma maneira muito simples mas com uma fé real, muito comovente. Daquele momento em diante, observou-se que o rapaz obteve boa recuperação de saúde, e quando o missionário deixou a aldeia, ele parecia estar razoavelmente bem. 

Apenas o Evangelho pode transformar as pessoas em novas criaturas. Obviamente, quem leva a mensagem de salvação às pessoas degeneradas encontrarão dificuldades, tanto materiais como espirituais. Nas aldeias indígenas é que o missionário chega a compreender o sentido do versículo 12 do capítulo 6 da epístola aos Efésios: "Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestiais."

Cada aldeia tem o seu feiticeiro, às vezes, há mais de um. Eles são verdadeiros opositores do Evangelho, iludem os índios, para que não aceitem e nem creiam na Palavra de Deus. Muitos são homens de escrúpulos maus, os quais para cumprirem os seus desejos não deixariam de ir às mais terríveis ações contra qualquer pessoa. Com seus "encantos", eles tratam dos doentes, sendo, porém, raro o enfermo que é curado; e, se alguém não morre, é mais pela Providência divina, do que pela ciência do feiticeiro.

Portanto, não é de se admirar que o feiticeiro que insatisfeito pela chegada do missionário. Quando vê a obra de Deus crescendo, manifesta-se absolutamente como inimigo. Pratica as suas "pajelanças" durante o horário de culto, e se houver algum doente ele culpa os missionários. Entretanto, tal é o poder de Deus, que muitos feiticeiros se convertem a Cristo e passam a louvar ao Senhor.

Muitas vezes, também, os índios não compreendem a intenção do missionário, pensam que ele vive como dispenseiro de tudo quando precisam; por isso, é que, em certas ocasiões, o missionário se vê apertado, com tantos pedidos, que, se fosse concordar, ficaria de tudo desprevenido. Uma vez, uns missionários foram deixados quase nus pelos índios, que se apossaram das suas malas e roupas.

Sabemos que é pelo ouvir a Palavra de Deus que a alma se converte; o missionário, porém, para fazer o índio compreender a sua missão e levá-lo ao conhecimento do Salvador, faz mais do que falar, manifesta aquele amor exposto em 1 Coríntios 13. Ele há de ser tudo para com todos, estará sempre pronto para muitas coisas que a ocasião exigir, tais como remar a canoa, trabalhar na roça, repartir a sua comida com os índios, extrair dentes, tratar enfermos, cuidar de pernas quebradas, cavar sepulturas, enfim, são tantas as coisas que torna-se difícil enumerar todas.

O índio pensa que o missionário pode fazer tudo.

Só assim é que é possível ganhar a confiança e estima dos índios. Deus tem abençoado o trabalho missionário nos rios Gurupy, Pindaré, e perto da Vila da Barra do Corda, no Estado do Maranhão. Nestas três regiões, há índios alegrando-se a salvação. A Palavra de Deus está sendo traduzida para algumas línguas indígenas; agora, na região do Pindaré, os índios estão lendo-a. Eles têm os quatro Evangelhos e várias porções escolhidas; também, muitos hinos bem conhecidos foram traduzidos. É uma maravilha ouvi-los cantar. 

E.A.G.
Artigo escrito por Henrique Heath, missionário entre os índios brasileiros. Postado originalmente no jornal Mensageiro da Paz, ano 2, número 11, página 2, da 1ª quinzena de 1932.

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