Alguns cristãos negam o sofrimento como parte da experiência cristã aqui na Terra. Outros o encaram como uma virtude e se gloriam em seus sacrifícios, que lhes fazem merecedores do favor de Deus. A maioria, talvez, simplesmente aguenta, divulgando pedidos de oração para que o sofrimento passe o mais rápido possível.
Deus usa o sofrimento em nossa vida como uma ferramenta para nos transformar, curar, purificar e podar. Mas nem sempre discernimos a ação de Deus na vida de nosso irmão. A Palavra não nos instrui a criticar a espiritualidade ou caráter da pessoa que está sofrendo, mas, simplesmente, a chorar com os que choram. A igreja deve ser o lugar mais seguro do mundo, onde podemos trazer as nossas angústias e, junto com os nossos irmãos, deixá-las ao pé de cruz.
Foi esse tipo de apoio que nos ajudou suportar os vinte e cinco anos do sofrimento da nossa filha Karis (contados em Karis – A história de uma mãe e a luta de sua filha, Mundo Cristão). No período dos transplantes dela, Deus me chamou a atenção para o livro de Êxodo, e como Ele havia operado maravilhas para libertar o povo de Israel, escravizando o Egito.
Deus podia levar o povo de Israel direto para Canaã dentro do período de dias. Em vez disso, Ele os levou para o deserto. Por quê? E por que Deus não leva o crente diretamente para a nossa terra prometida, o céu, uma vez que nós ficamos libertos de nossa escravidão ao pecado?
Na história do Êxodo, vejo sete tipos de deserto que me ajudaram a formar uma perspectiva sobre o sofrimento.
O primeiro desses desertos é o deserto da escravidão. Como o povo de Israel, lá nós somos vítimas. O dono desse deserto é o inimigo, aquele que só quer aproveitar de nós, roubando e estragando a nossa vida.
Certamente, não é a vontade de Deus que vivamos no deserto da escravidão. Deus sempre se opõe à opressão, abuso e miséria (veja Êxodo 3.7,8). Jesus sofreu na Cruz do Calvário para nos libertar desse deserto.
Mas precisamos escapar da maneira de Deus, não como o jovem Moisés, que matou um egípcio e teve que fugir. As condições precárias do deserto da fuga parecem mais viáveis do que ficar onde estávamos. Justa ou injustamente, alguém está atrás e quer acabar conosco.
Ao redor de nós, moças e rapazes fogem de lares disfuncionais para casamentos desastrosos. Crianças fogem da violência doméstica para as ruas; adolescentes, para o mundo das drogas e adultos se embriagam ou se viciam em novelas, compras ou até nos cultos da igreja. O deserto da fuga não é a solução. Ele gera tantos problemas próprios, que logo as pessoas precisam fugir novamente.
Moisés, o mimado príncipe do Egito, foi escolhido no deserto de Jetro, um homem que sabia viver bem neste lugar. Assim, Moisés adentrou o deserto da acomodação (no sentido de pôr ordem, alojar, hospedar, adaptar, adequar). Moisés aprendeu de Jetro como aceitar as condições difíceis de sua vida e criou ali o seu lar, um oásis no meio da sequidão.
Moisés, pelo que parece, pensou apenas em pastorear os rebanhos do sogro Jetro pelo resto de sua vida. Deus, porém, propôs o pastoreio de uma nação. Assim, o deserto da acomodação transformou-se no deserto de preparo para o ministério que Deus escolheu para ele. Além de inúmeras lições práticas de sobrevivência em um ambiente hostil, Deus, pouco a pouco, transformou o caráter de Moisés, tal que o príncipe arrogante mais tarde seria descrito como o homem mais humilde da Terra.
No tempo próprio, através de Moisés, Deus levou o seu povo a atravessar o Mar Vermelho para o deserto do resgate. Que contraste com o deserto da fuga! Pois o deserto do resgate é um lugar de vitória e celebração da derrota do inimigo. Não existe lugar igual. Ó, se pudéssemos ficar lá! Mas esse quinto deserto é só de passagem. Ainda não chegamos à Terra Prometida. Esse deserto é apenas uma fragrância daquele sonho futuro. Mas como ele nos motiva a perseverar!
O problema é que, recém-libertos da escravidão, não estamos preparados para a liberdade. Moisés, sob a liderança de Deus, levou o povo diretamente para o deserto da provação. E o povo ficou nesse deserto por quase dois anos! Por quê?
Foi nesse deserto que o povo aprendeu a cuidar de si, a deixar de lado sua identidade de vítima. Eles não sabiam fazer suas próprias decisões. Não tinham limites saudáveis. Na verdade, eram co-dependentes dos egípcios, que os escravizaram, mas também eram sua fonte de alimento e abrigo. O povo precisava aprender como lidar com a vida sem ter tudo na mão.
Sobreviver no deserto da provação não é fácil; ele nos leva até o fim de nossos próprios recursos, mexe com nossos valores e prioridades, confronta-nos com nossas fraquezas, limitações, defeitos e vulnerabilidades, com nossas mortalidade. Tem-nos a desistir, a voltar para a escravidão.
Mas também descobrimos que a nós mesmos cabe escolher: Vou, ou não, confiar em Deus (o Deus que tanto glorifiquei no deserto do resgate)? Vou, ou não vou, adorá-lo no deserto?
Após dois anos no deserto da provação, Deus, finalmente, levou o povo para a fronteira da Terra Prometida e mandou Moisés enviar doze homens, um de cada tribo, para a missão de reconhecimento de Canaã. O resultado da falta de fé da maioria foi desastroso: o povo teve que rondar no deserto mais 38 anos, até que morressem todos daquela geração desobediente.
O deserto da provação virou um deserto de disciplina, o qual Deus usou para formar um povo diferente, um povo de fé e coragem, temido pelos habitantes da Terra Prometida.
Deus teve um plano maravilhoso para Seu povo e investiu para que esse plano se cumprisse. Mas, por causa de sua desobediência e falta de confiança, o povo de Israel perdeu o “Plano A” e teve que partir para o “Plano B”.
Nós também podemos perder o Plano A da nossa vida. Talvez você pense que seja o seu caso, por causa de decisões erradas que tomou. O que me consola é que, mesmo no Plano B, Deus não abandonou o Seu povo; continuou a cuidar dele. E mais: Deus fez do deserto da disciplina lugar de preparo para a próxima geração. Deus cumpriu a sua promessa de dar ao Seu povo a Terra Prometida, transformando-o pela aprendizagem ao adorá-lo no deserto.
Debora Kornfield é formada em letras pela faculdade Wheaton (EUA), enfermagem pela faculdade Rush (EUA) e fez pós-graduação em em aconselhamento familiar no seminário ESTE. Integrante da EQUIPE SEPAL, atuou no GAVS (Grupo de Apoio para Vítimas e Sobreviventes) até 2004. É casada com David Kornfield com quem tem quatro filhos. Escreveu o livro Karis - Adorando a Deus no deserto (Editora Mundo Cristão), onde narra sua experiência ao ter que enfrentar uma doença crônica que acometeu uma de suas flihas.
Fonte: Revista Seu Mundo, ano IV, nº 15.
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