Michel Temer não declara que tenha causado o vazamento à imprensa do conteúdo de sua carta para Dilma Rousseff. Porém, o texto bombástico, em plena atmosfera de impeachment, nos faz crer que a revelação foi um passo político consciente, visando a escalada de segunda para primeira pessoa no poder executivo.
O material é um desabafo enfileirado de queixas. É um claro rompimento de relações entre Dilma e Temer, entre os partidos PMDB e PT.
O material é um desabafo enfileirado de queixas. É um claro rompimento de relações entre Dilma e Temer, entre os partidos PMDB e PT.
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São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
''Verba volant, scripta manent''.
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes
últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há
muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a
necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais
são as funções do vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada
daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora
e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível
com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio
político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no
partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, gera desconfiança e
menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice
decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que
tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era
chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir
formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios,
secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não
renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez
belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele
era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a
registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o
Ministério em razão de muitas “desfeitas'', culminando com o que o
governo fez a ele, ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome
com perfil técnico que ele, ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz
parte de uma suposta “conspiração''.
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a
coordenação política, no momento em que o governo estava muito
desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste,
nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos
assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de
60 reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio
com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela
coordenação.
6. De qualquer forma, sou presidente do PMDB e a senhora
resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um
acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a
senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o
deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente,
com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos oito votos do DEM, seis do PSB e três do PV, recordando que foi
aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão
equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas
oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio
resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião
de duas horas com o vice Presidente Joe Biden – com quem construí
boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a
pergunta: o que é que houve que numa reunião com o vice-presidente
dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio
da “espionagem'' americana, quando as conversas começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o ministro da Justiça, para conversar
com o vice-presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado
absoluta falta de confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores
autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma
conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa “Uma Ponte para o Futuro'',
aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para
recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra
desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca
promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como presidente do PMDB, devo manter
cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade
partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o país terá
tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no
PMDB, hoje, e não teráf amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
“
Respeitosamente, L. TEMER
A Sua Excelência a senhora
Doutora
DILMA ROUSSEFF
Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
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